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Folha de Sao Paulo, January 14, 2002


O ÁLBUM DE RETRATOS DA ATITUDE COMO POESIA

14/01/2002

Autor: CASSIANO ELEK MACHADO

Origem do texto: Da Reportagem Local

Editoria: ILUSTRADA Página: E1 021/6833

Edição: São Paulo Jan 14, 2002

Legenda Foto: Gandhi lê recortes de jornais, em 1946 (acima), e observa o mar durante uma reunião de orações, em maio de 1944 (abaixo); A primeira imagem conhecida de Gandhi, aos sete anos, em 1876 (esq.); e a cerimônia de despedida, em 12 de fevereiro de 48
Crédito Foto: Reprodução do livro "Gandhi"

Observações: ENTREVISTA; COM SUB-RETRANCA

Assuntos Principais: FOTOGRAFIA; MAHATMA GANDHI; PHAIDON /EDITORA/; PETER RÜHE Sai na Europa e nos Estados Unidos a fotobiografia mais completa já feita sobre o indiano Mahatma Gandhi, com mais de 250 imagens inéditas do guru da não-violência

O ÁLBUM DE RETRATOS DA ATITUDE COMO POESIA

CASSIANO ELEK MACHADO

DA REPORTAGEM LOCAL

O homenzinho magrela, pouco mais de metro e sessenta de altura, careca e com óculos de arame repetia: "A ação é o meu território. É o que faço, e não o que digo, o que realmente importa".
Depois de mais de 50 anos de sua morte, finalmente o mercado editorial leva suas palavras ao pé da letra. Sai este mês, na Europa e nos EUA, o primeiro trabalho que mostra, literalmente, o que fazia Mohandas Karamchand Gandhi (1869-1948), o Mahatma Gandhi.
Editado pela inglesa Phaidon, hoje a principal referência mundial em livros de arte, "Gandhi" reúne cerca de 300 imagens do líder indiano em ação.
Os retratos foram escolhidos pelo alemão Peter Rühe, ex-jogador de futebol e programador de computação que reuniu, nos últimos 20 anos, a maior coleção de fotos do guru da não-violência.
As imagens pinçadas por Rühe de seu acervo de 10 mil fotografias são acompanhadas por textos biográficos marcados por clareza e por legendas minuciosas.
São vários os "gandhis" do livro: criança, estudante de direito na Inglaterra, advogado em Bombaim, despertando para a militância política, na África do Sul, costurando o processo de independência indiano, com passeatas ou mesmo com um tear ("estou tecendo o futuro da Índia", dizia, ao fiar o linho que vestia).
Muitos, a maior parte, são "gandhis" nunca vistos. O autor do livro afirma que pelo menos 250 das imagens reunidas em "Gandhi" são inéditas. Além das fotografias, estão reproduzidas anotações, documentos ou bilhetes, como o "be true" (seja verdadeiro) estampado ao lado, frase que carrega uma das essências do indiano escolhido pela revista "Time" como um dos três principais personagens do século 20.
Outro dos "eleitos" para esse mesmo "trio", o físico Albert Einstein, era, por sinal, um dos grandes admiradores públicos de Gandhi. "As gerações futuras dificilmente acreditarão que tal pessoa, de carne e osso, andou sobre a face da Terra", vaticinava o pai da teoria da relatividade.
O livro de Rühe ajuda. Além de carregar no lado mais conhecido e importante de Gandhi, o homem que passou 2.338 dias na prisão graças a sua "política de gestos poéticos", como já definiu o escritor Rubem Alves _em pequena, inspirada (e esgotada) biografia_, também abre algum espaço para facetas mais terrenas.
Ainda que de forma discreta, Rühe registra a insatisfação de Kasturba, sua mulher (com quem casou aos 13 anos, como mandava a tradição), e dos filhos com a vida ascética do guru. Também relata, desta vez sem fotos, experiências pouco ortodoxas de Gandhi, como o fato de que ele dormia frequentemente com jovens nuas, às vezes suas parentes, para exercitar o autocontrole sexual.
"Isso são notas de rodapé na vida de um homem que misturou hinduísmo, cantos budistas, leituras do Corão e até o Sermão da Montanha cristão para defender paz e verdade", comenta o autor do livro em entrevista por telefone à Folha de Berlim, onde atualmente dirige um dos principais sites sobre Gandhi (www.gandhiserve.org) e finaliza o livro "Gandhi e o Terrorismo". Leia a seguir alguns trechos da conversa.

*

Folha - O site do sr. informa que existem 8.800 livros sobre Gandhi. O que o sr. acredita que seu livro pode acrescentar a esse universo?
Peter Rühe
- Venho trabalhando há 20 anos em pesquisas sobre Gandhi e muita gente sempre me perguntava porque nunca havia feito um livro. Eu já havia visitado a Índia muitas vezes, havia encontrado os maiores especialistas do mundo no assunto e todos os parentes vivos de Gandhi. Mas eu sempre respondia que existem 10 mil livros no mercado sobre ele. Ao longo dos anos, porém, acabei me especializando na área de conservação de fotografias de Gandhi e montei a maior coleção do mundo. Agora achei que era o momento de fazer um livro. Não existe nenhum no mercado especificamente de fotos de Gandhi.

Folha - Em um artigo feito em 2000 para a revista "Time", o escritor Salman Rushdie diz que Gandhi foi um dos personagens mais contraditórios do século. Concorda?
Rühe
- Como personalidade acho que ele não era contraditório. A principal editora de suas obras na Índia inclui, no começo de cada livro, sob orientação de Gandhi, a seguinte frase: "Eu mudei meus pontos-de-vista ao longo do tempo, mudei de opiniões durante minha vida. Se você está em dúvida sobre a minha verdadeira opinião sobre algum tema, pegue minha citação mais recente". Ele mudou de opinião, como todos. Mas isso não dá margem a que ele seja chamado de contraditório. Nos anos 20, por exemplo, ele diz que Deus é a verdade. Mais adiante, diz que a verdade é Deus. Depois: não há um Deus mais elevado do que a verdade.

Folha - Gandhi identificou três problemas-chave da Índia: intolerância religiosa, abusos com relação às castas e aos chamados "intocáveis" e desigualdade econômica. Qual a opinião do sr. sobre essas questões mais de 50 anos após a morte de Gandhi?
Rühe
- A figura dos "intocáveis" teoricamente foi eliminada com a primeira Constituição da Índia, em 1950. Uma política especial de cotas inclusive foi criada para garantir postos de trabalho aos que pertenciam às castas mais baixas. Na minha opinião, isso só cria animosidade entre os que antes eram os "intocáveis" e o resto. Até hoje eles continuam separados.
Desigualdade econômica, claro, continua. As políticas do primeiro premiê da Índia, Jawaharlal Nehru, foram opostas às buscadas por Gandhi. Ele queria fortalecer as indústrias dos vilarejos, reconstruir o país desde sua base. Nehru apoiou as grandes indústrias em grandes cidades. Intolerância religiosa nem é preciso comentar. É um dos elementos centrais da atual disputa entre Índia e Paquistão.

FRASE 14/01/2002

Autor: . . 2929cass

Editoria: ILUSTRADA Página: E1 021/6950

Edição: São Paulo Jan 14, 2002

Observações: SUB-RETRANCA; FRASE

Assuntos Principais: FOTOGRAFIA; MAHATMA GANDHI; PHAIDON /EDITORA/; PETER RÜHE FRASE "Ele não era um Deus. Era só um bom ser humano. Era bom no sentido mais verdadeiro e tentou mudar as pessoas ao redor dele." PETER RÜHE, autor do livro "Gandhi"